A história é a seguinte https://ahistoriaeaseguinte.blogfolha.uol.com.br Contamos por que todo passado é presente Tue, 10 Aug 2021 12:55:04 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Terapias químicas e sociais contra a peste https://ahistoriaeaseguinte.blogfolha.uol.com.br/2021/04/13/terapias-quimicas-e-sociais-contra-a-peste/ https://ahistoriaeaseguinte.blogfolha.uol.com.br/2021/04/13/terapias-quimicas-e-sociais-contra-a-peste/#respond Tue, 13 Apr 2021 14:30:29 +0000 https://ahistoriaeaseguinte.blogfolha.uol.com.br/files/2021/04/troia_filme_post-300x213.jpg https://ahistoriaeaseguinte.blogfolha.uol.com.br/?p=552 A aventura dos helenos contra os troianos quase deu com os burros n’água por causa da peste. Homero começa a narrar a Ilíada pelo impasse em torno da praga que durante nove dias fez arderem sem cessar as piras dos mortos no exército invasor estacionado às portas da cidade fortificada.

Os comandantes gregos tinham aprontado com a pessoa errada. Agamenão, o rei maioral, tomara a filha de um sacerdote de Apolo como butim. Em vão, o sacerdote tentou negociar com o monarca o resgate da garota. Apelou então a seu pistolão no Olimpo, e o divino arqueiro desceu furibundo em socorro a seu protegido. “Chegou como chega a noite.”

Pôs-se a disparar as setas da pestilência contra os aqueus, que tombavam, e só parou quando o rei grego mudou de ideia e devolveu a filha ao sacerdote –não sem enfurecer na transação o herói Aquiles, o que deu pano para manga.

“Flecha de Apolo” (Apollo’s Arrow) é o título do livro que o médico, sociólogo e pesquisador da Universidade Yale Nicholas Christakis lançou no final de outubro sobre a Covid-19. As suas predições têm chamado a atenção de comentaristas, mas os mergulhos na experiência clínica do autor e na história me atraíram mais.

Christakis recruta a riquíssima tradição da medicina social britânica. William Farr, sob cujas lentes o impacto das desigualdades sociais na mortalidade e na saúde ficou mais evidente, propôs em meados do século 19 o método, já comentado aqui, de computar o excesso de mortes como meio de estimar o efeito das epidemias. Mais de um século depois, o médico e historiador Thomas McKeown provocou entusiastas da farmacologia com gráficos como o abaixo.

Note que a tuberculose, uma das grandes assassinas da história da humanidade, já havia declinado substancialmente na Inglaterra quando, após a Segunda Guerra Mundial, antibióticos e vacina foram disseminados para o seu enfrentamento. Algo semelhante ocorreu nas curvas históricas de outras doenças, como a febre tifoide, a escarlatina e o sarampo.

McKeown advogou que fatores não diretamente médicos precederam (e preponderaram sobre) a medicina –farmacologia e imunologia incluídas– na prevenção de mortandades causadas por moléstias infecciosas. Embora ele tenha superestimado a importância da nutrição e da habitação e subestimado fatores como o saneamento básico e outras intervenções do poder público, o sentido geral da sua conjectura veio se confirmando pela pesquisa especializada.

Tire o cavalo da chuva quem gosta de polarizar tudo. O debate instalado pelo historiador britânico não é sobre se drogas, vacinas, terapias e hospitais salvam vidas. Claro que salvam. Ele estava preocupado com estabelecer o peso de cada fator na evolução secular e escrevia numa altura do século 20 em que se louvava exageradamente o poder da medicina.

HIV, ebola, Mers, gripe suína, Sars 1 e 2 vieram mais tarde esclarecer que nosso pacto fáustico com a salvação pela química não era tão firme e não dispensava iniciativas organizacionais e individuais não farmacológicas no seu combate.

A nota serena de mirar o duelo milenar entre a humanidade e as doenças infecciosas, para mim o ponto alto do livro de Nicholas Christakis, é compreender que pode levar tempo, mas sociedades e patógenos quase sempre acabam encontrando um meio de conviver entre si com menos danos. Chegam a uma trégua relativa.

A arrogância de Agamenão não resiste a dez dias de flechadas de Apolo.

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Bebês ficam para depois https://ahistoriaeaseguinte.blogfolha.uol.com.br/2021/03/29/bebes-ficam-para-depois/ https://ahistoriaeaseguinte.blogfolha.uol.com.br/2021/03/29/bebes-ficam-para-depois/#respond Mon, 29 Mar 2021 21:30:29 +0000 https://ahistoriaeaseguinte.blogfolha.uol.com.br/files/2021/03/bebes_postnascimentos2-300x213.jpg https://ahistoriaeaseguinte.blogfolha.uol.com.br/?p=527 No início das medidas mais drásticas de restrição para frear o coronavírus, há um ano, surgiu a dúvida: as pessoas resguardadas nos lares fariam mais ou menos filhos? Em tese, os dois desdobramentos seriam possíveis.

Casais reunidos por mais tempo poderiam tomar a decisão de ampliar a família, e o aumento das relações sexuais, também por hipótese, resultaria num número maior de gravidezes não planejadas. Por outro lado, a insegurança sobre o futuro, o medo da morte e do empobrecimento e o estresse costumam agir no sentido contrário.

Nove meses depois, o segundo efeito, depressivo, parece que prevaleceu. Na Espanha, onde a quarentena foi bem  apertada, os nascimentos em dezembro e janeiro últimos despencaram 23% na comparação com um ano antes.  Os nascimentos em dezembro de 2020 sugerem que a capital paulista foi pelo mesmo caminho.

Nada novo.

Na gripe espanhola, que incidiu fortemente no último trimestre de 1918, o padrão foi semelhante. Os nascimentos na capital paulista vinham quase estáveis em 1917 e 1918, mas caíram 5% em 1919.

Há outro elemento na observação histórica para em breve tirarmos a teima: tão logo o perigo se vai, a sociedade tende a compensar os filhos não nascidos durante a crise. Em 1920, os nascimentos cresceram 16% na capital paulista. Nos EUA, após a queda de 7% em 1919, vieram as altas também atípicas de 8%, em 1920, e 4%, em 1921.

Esse efeito de mola encolhida que de repente se expande e apenas num terceiro estágio reencontra alguma estabilidade ocorreu em outros domínios da vida. Na economia, na cultura, nos costumes. Os efervescentes anos 1920 sucederam a trágica segunda metade da década anterior. Vamos ver como as coisas se desenrolam desta vez.

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