A história é a seguinte https://ahistoriaeaseguinte.blogfolha.uol.com.br Contamos por que todo passado é presente Tue, 10 Aug 2021 12:55:04 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Peste e pânico em Araraquara https://ahistoriaeaseguinte.blogfolha.uol.com.br/2021/03/02/peste-e-panico-em-araraquara/ https://ahistoriaeaseguinte.blogfolha.uol.com.br/2021/03/02/peste-e-panico-em-araraquara/#respond Tue, 02 Mar 2021 12:15:10 +0000 https://ahistoriaeaseguinte.blogfolha.uol.com.br/files/2021/03/estacaoferroviariaararaquara-300x213.jpg https://ahistoriaeaseguinte.blogfolha.uol.com.br/?p=491 Os habitantes de Araraquara esvaziaram as ruas com medo da peste. Ela parecia ter poupado a população da hecatombe poucos meses antes, quando oligarcas negacionistas declararam superada a ameaça, mas se abateu como praga bíblica nesta segunda onda.

A moléstia matou o pároco no Natal. Seu substituto sucumbiu no mesmo verão sem ter tempo de receber os últimos sacramentos. O presidente da Câmara foi fulminado. Coveiros do cemitério tombaram, o que alimentou soturnas teorias sobre o espalhamento do mal.

A vida como era antes colapsou. Animais abandonados pelos donos se exauriram nas residências trancadas, o lixo se acumulou, o mau cheiro se espalhou e gatunos liderados por um sargento saquearam tudo. Procedimentos eleitorais foram suspensos. Os serviços que insistiram em funcionar se mudaram para Américo Brasiliense, logo ao lado.

O governo do estado interveio, com seus regramentos e comissões de sanitaristas. Segreguem-se os doentes, fora com a imundície. O juiz de direito de Araraquara não quis  aplicar multas a quem desobedeceu aos decretos. Médicos locais –entre eles um certo dr. Dória, também delegado– não toparam colaborar com o confinamento obrigatório e foram sendo substituídos por figurões enviados pela capital.

Quem fugiu para outras paragens arriscou-se. Donos de hospedarias foram obrigados a delatar todo hóspede que chegava de Araraquara. Proprietários foram convocados a entregar a chave das casas vazias ou vê-las arrombadas pelas autoridades higienizadoras.

Em outras cidades do interior tomadas pela infecção, motins pela liberdade individual desafiaram as ordens de resguardo da gestão estadual. O jornal da oposição tomou o partido dos comerciantes prejudicados. Os situacionistas louvaram as ações do governo estadual, como o pai severo e zeloso que salva vidas.

A Câmara quis aumentar impostos para tapar o buraco na arrecadação. A oposição enraivecida sugeriu que, em vez disso, os vereadores acabassem com suas sinecuras ou renunciassem de vez, poupando desgastantes cassações de mandato.

Tudo isso aconteceu em 1895 e 1896 na próspera comarca da região central do estado de São Paulo, então servida pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Os trilhos que levavam o café para o porto de Santos traziam de lá imigrantes europeus e a febre amarela, que se interiorizava desde o ano da Proclamação da República. O vetor da doença, o mosquito Aedes aegypti, ainda não havia sido identificado, e as autoridades atiravam para todos os lados na tentativa de compreendê-la e evitar a sua proliferação.

O relato integra a tese de doutoramento “Poder e Saúde: a República, a Febre Amarela e a Formação dos Serviços Sanitários do Estado de São Paulo”, que Rodolpho Telarolli Junior defendeu na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp em 1993.

 

 

 

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História também é para se ouvir https://ahistoriaeaseguinte.blogfolha.uol.com.br/2020/12/22/historia-tambem-e-para-se-ouvir/ https://ahistoriaeaseguinte.blogfolha.uol.com.br/2020/12/22/historia-tambem-e-para-se-ouvir/#respond Tue, 22 Dec 2020 21:41:19 +0000 https://ahistoriaeaseguinte.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/f1a04f15d9d26436ef48ebe4938e9fc8-300x215.png https://ahistoriaeaseguinte.blogfolha.uol.com.br/?p=148 Para os que pensam que a história é um campo de conhecimento que só pode ser penetrado por meio de livros, de longas sessões de internação em bibliotecas ou em arquivos de documentos, aqui vai uma surpresa. Hoje há produção de conteúdo para formatos diferentes, O que apresento aqui é o exemplo de um deles: o podcast.

Atravessamos uma pandemia que parece, aos que vivemos estes tempos, a mais devastadora de todas. Porém, vasculhar a história nos ilumina, como sempre, no presente. Por exemplo, no século 16, os conquistadores europeus trouxeram em suas embarcações, além da fé católica, do idioma e de sua cultura, nada menos que um punhado de doenças mortais: a varíola, o sarampo, a difteria, a malária e muitas outras enfermidades que, junto com o poderio de fogo, facilitaram muito a matança e a conquista. Além de ajudar a rotular o indígena como um sujeito fraco e inferior. Mas isso não era verdade. Aqueles povos originários, como nós, agora, com o coronavírus, não tinham os anticorpos necessários para sobreviver a essas doenças mortais. E essa foi uma das principais razões da alta mortalidade entre eles.

Quer saber um pouco mais sobre isso? Clique aqui.

Também se costuma repetir, na atualidade, um monte de estereótipos sobre o Paraguai, geralmente pejorativos, referindo-se a tudo o que vem desse país como algo falsificado ou de qualidade inferior. De onde nasceu isso? Estaria relacionado à terrível e sangrenta derrota do país na Guerra do Paraguai, do qual o Brasil participou e cujo final completa agora 150 anos? E por que a Guerra do Paraguai teve tantas interpretações diferentes ao longo do tempo? Por que a historiografia ofereceu tantas versões sobre o ocorrido? Um bom debate sobre isso está aqui.

E quando, no último dia 25 de maio, o cidadão negro norte-americano George Floyd foi morto por uma ação da polícia, você achou que era só mais um caso de violência policial? Pois saiba que, por detrás disso, havia toda uma história conflituosa e difícil da participação dos negros na política e das decisões da sociedade norte-americana desde o século 19. Um pouco mais sobre esse denso e delicado debate está aqui.

Estes são apenas alguns dos episódios de “Hora Americana”, um podcast disponível no Spotify, e comandado por quatro jovens acadêmicos brasileiros, dedicados a trazer a história para discutir temas do presente. O programa é quinzenal e seu objetivo é promover o debate de temas que são candentes para História das Américas, dentro e fora do ambiente universitário, embora a maioria do público seja mais vinculada a este último.

O formato é quinzenal e feito com entrevistas. A cada edição, um especialista sobre o tema escolhido é sabatinado pelos quatro rapazes. Uma da premissa de todos, que trabalham com assuntos de diferentes períodos da história da América, é a necessidade de fugir do eurocentrismo das narrativas tradicionais.

Os quatro realizadores são professores universitários: Caio Pedrosa da Silva, da (UFVJM), que é doutor, pela Unicamp, com a tese: “Mártires de Cristo Rey – Revolução e Religião no México”. Luís Kalil (UFRRJ), também doutor pela Unicamp e autor de “Filhos de Adão – As Teorias Sobre a Origem dos Indígenas”. Rodolpho Gauthier Cardoso dos Santos, doutor pela USP e autor de “A Invenção dos Discos Voadores – Guerra Fria, Imprensa e Ciência no Brasil”. E Valdir Donizete dos Santos Júnior, doutor pela USP e autor de “A Trama das Ideias: Intelectuais, Ensaios e Construção de identidades na América Latina”. 

Em uma conversa com o blog, dois de seus integrantes contaram um pouco de suas motivações e incentivos. Ambos lembraram, como, até pouco tempo atrás, era muito difícil incluir assuntos de história das Américas nos currículos escolares e no debate acadêmico, especialmente os relacionados à América Latina. Mas que isso, aos poucos, vem mudando.

O contexto das redemocratizações no Cone Sul, por exemplo, segundo os acadêmicos, teriam produzido um interesse pelos países vizinhos maior do que o que existia antes. “A redemocratização não foi algo que ocorreu só no Brasil. Houve uma geração de historiadores que é anterior à nossa e que se conectou com a de países vizinhos nessa época”, explica Valdir Donizete dos Santos Júnior. “Só que os tempos da academia são diferentes dos tempos do jornalismo. As pesquisas e teses que começaram a surgir aí foram lançadas bem depois. Esse grupo de pioneiros acabou formando uma nova geração, a nossa geração, que está agora atuando em tantas áreas e com tantos objetos de estudo diferentes, mas todos dentro da História das Américas”, completa.

Caio Pedrosa da Silva concorda, e também crê que questões latentes do presente têm estimulado uma busca de respostas num passado ainda mais distante, nos tempos coloniais. “São eles os temas do racismo, dos indígenas, por exemplo, que estão super-presentes na sociedade hoje, e a raiz está lá atrás”.

Os podcasts são para consumo amplo, mas não perde o tom e o rigor acadêmico, nem cede à panfletagem política. O Hora Americana também produz subprodutos nas redes, com postagens sobre dicas de livros, filmes e demais obras que são citadas pelos especialistas. 

Logo do podcast “Hora Americana” (Foto Divulgação)

Aqui, seguem as redes do programa, que tem conteúdo extra sobre cada episódio:

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Instagram.com/horaamericana

Twitter.com/HoraAmericana

 

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