A história é a seguinte https://ahistoriaeaseguinte.blogfolha.uol.com.br Contamos por que todo passado é presente Tue, 10 Aug 2021 12:55:04 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Chegaram a Buenos Aires de barco https://ahistoriaeaseguinte.blogfolha.uol.com.br/2021/06/11/escravos-tambem-chegaram-de-barco-a-buenos-aires/ https://ahistoriaeaseguinte.blogfolha.uol.com.br/2021/06/11/escravos-tambem-chegaram-de-barco-a-buenos-aires/#respond Fri, 11 Jun 2021 12:45:23 +0000 https://ahistoriaeaseguinte.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/blognegreirobuenosaires-300x213.jpg https://ahistoriaeaseguinte.blogfolha.uol.com.br/?p=628 A escravidão é um fato da colonização das Américas. Foi predominantemente ameríndia nas regiões mineradoras sob jugo espanhol –e africana nos latifúndios monocultores de cana, algodão, café e tabaco. Houve um tempo, porém, em que a procura por escravizados africanos vinha do altiplano andino e era suprida, à base de contrabando, por mercadores portugueses via porto de Buenos Aires.

No clássico “O Comércio Português no Rio da Prata” (1944), Alice Canabrava documenta essa intensa movimentação entre 1580 e 1640, quando as coroas ibéricas estavam unificadas. A pesquisadora, pioneira da história econômica na USP, mostra como a ação de mercadores, elites locais e burocratas corruptos abriu uma rota clandestina de abastecimento que atingia regiões ricas da mineração, como Potosí.

O império espanhol definira o istmo das Américas como portal exclusivo do comércio ultramarino, mas Buenos Aires, mais próxima das minas do Alto Peru, começou a solapar essa regra entre o fim do século 16 e início do 17, integrando o Brasil e outras possessões portuguesas nessa via de contrabando que fez fortunas. Entravam escravizados africanos, víveres e manufaturas. Saíam ouro e prata.

Apenas um traficante introduziu em Buenos Aires 1.200 escravizados oriundos da África. Barcos negreiros vinham de Angola tendo o Brasil, onde se pagava menos imposto, como destino registrado, mas aportavam de fato no estuário do rio da Prata. Em 1623 o padre Diego de Torres relatava a um colega que entravam 1.500 escravos a cada ano por Buenos Aires. Outro clérigo, Pedro de Espinoza, testemunha que negros trazidos de Angola passavam em grupos de mais de cem por Córdoba, já no interior, a caminho do altiplano.

Comprados a menos de 150 pesos no porto, eram vendidos a mais de 400 conforme avançavam rumo às zonas mineradoras. “No rio da Prata, tal foi a atração exercida pelo comércio de escravos que os governadores solicitavam ao rei seus salários em licenças de escravos; os juízes que funcionavam nos arremates de escravos preferiam receber em escravos negros o terço que lhes cabia”, escreveu Alice.

]]>
0
Um clássico do domínio holandês no Nordeste https://ahistoriaeaseguinte.blogfolha.uol.com.br/2021/04/28/um-classico-do-dominio-holandes-no-nordeste/ https://ahistoriaeaseguinte.blogfolha.uol.com.br/2021/04/28/um-classico-do-dominio-holandes-no-nordeste/#respond Wed, 28 Apr 2021 13:00:58 +0000 https://ahistoriaeaseguinte.blogfolha.uol.com.br/files/2021/04/franspostgonsalvesholanda-300x213.jpg https://ahistoriaeaseguinte.blogfolha.uol.com.br/?p=569 O lançamento mais recente do escritor Lira Neto, “Arrancados da Terra”, focaliza um pedaço do que foi Pernambuco sob o domínio da Holanda no século 17 para contar a saga de judeus ibéricos perseguidos que acabaram aportando na atual Nova York. Em 1947, José Antonio Gonsalves de Mello publicava “Tempo dos Flamengos”, um clássico da descrição desse interregno de 24 anos (1630-1654) em que invasores protestantes deram as cartas em parte do Nordeste do Brasil.

Gonsalves de Mello foi o primeiro historiador brasileiro a enfurnar-se no riquíssimo acervo do Livro de Atas do Alto Conselho Político do Brasil, que documenta, da perspectiva dos conquistadores, os últimos 19 anos da ocupação. O material pesquisado sobre a atuação dos judeus, narrada em poucas páginas no capítulo final de “Tempo dos Flamengos”, é esmiuçado a ponto de compulsar a participação de israelitas nos contratos para coletar impostos.

A amplitude da movimentação dos judeus na possessão sul-americana da Companhia das Índias Ocidentais permitia que atuassem inclusive no comércio varejista, atividade que lhes era vedada na própria Holanda. O domínio dos dois idiomas, o português e o holandês, e o tirocínio para negócios mal explorados pela companhia deram vantagens a empreendedores judeus, o que motivou ódios e revanchismo da parte de holandeses protestantes e de senhores de engenho brasileiros.

Esse é um dos vários aspectos de interesse, alguns pioneiros, de “Tempo dos Flamengos”. Gonsalves de Mello relata um forte adensamento urbano no Recife, com explosão dos preços de terrenos, aluguéis bem mais elevados que em Amsterdam e precarização habitacional, numa área equivalente à de um retângulo de 1.000 m de comprimento por 100 m de largura. “Não há empregado que possa alugar um quarto pequeno”, reclamava uma comunicação oficial de 1641.

A crueldade no transporte de escravos da África em yachts holandeses –embarcações batizadas com nomes como A Donzela de Enkhuysen, A Esperança Branca e Caridade– é exposta em cifras frias pelo conde Maurício de Nassau: “Vejo pelos registros que embarcaram para o Brasil 6.468 escravos no período de 7 de fevereiro de 1642 a 23 de julho de 1643, dos quais 1.524  faleceram”.

A dificuldade dos holandeses de substituir os senhores e escravos locais na produção do açúcar e o reconhecimento da  necessidade de habilidades específicas para a empreitada, estratégica para os invasores, ficam atestados: “A conquista do Brasil sem os portugueses trará poucas vantagens à Companhia. Sendo o principal negócio ali o fabrico do açúcar, faz-se necessário para isso muitos esforços e singular conhecimento (…) que foram adquiridos após longa aprendizagem [para o que] os holandeses, em tão pouco tempo, não estão habilitados”, escreveu  Nassau em 1646.

Temas como concessões de obras e serviços públicos, ordenamento urbano, instrução de povos indígenas, hábitos alimentares e práticas religiosas estão documentados com pormenores incomuns para o padrão do Brasil seiscentista.

Em 1642, preocupado com o que os economistas do século 20 viriam a chamar de “custos de transação” da administração da Justiça, o conde de Nassau desabafou para os mandachuvas na Holanda: “Os salários ou emolumentos dos secretários, notários, procuradores, solicitadores, tradutores, meirinhos, mensageiros, executores e outros oficiais da Justiça elevam-se a tanto que duvido que haja lugar no mundo onde tanto se lhes pague, além das multas, percentagens, extorsões, comissões dos escoltetos e seus subordinados, que não se contentam com pouco.”

]]>
0