A queda de Tenochtitlán e os pesadelos do México de hoje

No próximo dia 13 de agosto, completam-se 500 anos da queda de Tenochtitlán, a cidade habitada mais suntuosa e sofisticada encontrada pelos espanhóis em sua Conquista da América. Naquele dia, no distante ano de 1521, terminou o longo cerco de 73 dias das tropas espanholas à capital do império asteca.

A data será motivo de lançamentos de livros, conferências e encontros que debaterão as distintas linhas de abordagem historiográfica sobre o passado pré-hispânico, a transformação daquele território em colônia europeia e, mais tarde, no México que conhecemos.

Infelizmente, trata-se também de mais um recurso que está sendo usado pelo presidente populista de esquerda Andrés Manuel López Obrador para reafirmar seu projeto de “quarta transformação”. AMLO (como é chamado) crê que seu sexênio como mandatário não é apenas uma gestão democrática corriqueira, e sim um marco histórico apenas comparado à Independência, a Reforma e a Revolução mexicanas.

Uma das coisas que já vem fazendo, usando essa data, é encaminhar um pedido à Espanha para exigir que esta “peça perdão” pela Conquista. Mais um de seus truques para desviar a atenção dos mexicanos sobre os problemas que sua administração enfrenta no terreno sanitário (já são mais de 244 mil mortos para o coronavírus e apenas 21,3% da população totalmente vacinada) e no econômico (queda do PIB de 9,9%).

Mas os 500 anos da invasão e da conquista de Tenochtitlán também serão tema de uma rica programação por parte da Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM). O calendário de atividades, exposições e conferências pode ser consultado aqui: https://mexico500.unam.mx/

Entre os destaques está a conferência de um dos principais estudiosos do tema, o antropólogo Eduardo Matos Moctezuma, que há anos vem estudando e organizando as recentes descobertas no Templo Mayor, que foi a construção mais importante dos astecas e que está ao lado do Zócalo e que abriga a sede do Executivo mexicano, o Palácio Nacional.

Moctezuma também falará sobre os novos estudos e interpretações do Calendário Asteca, uma das peças de arqueologia mais importantes daquela época, atualmente abrigado pelo museu de antropologia. 

Mas o que fazia de Tenochtitlán uma cidade tão especial?

“Viajante, você chegou à região mais transparente do ar”, escreveu Alfonso Reyes referindo-se ao vale do México e à Tenochtitlán que os conquistadores encontraram no século 16. Localizada numa ilha rodeada pelo lago Texcoco, unida à terra por um complexo sistema de pontes, a cidade maravilhou os integrantes da tropa de 928 soldados espanhóis liderados por Hernán Cortés.

Tenochtitlán era diferente de tudo o que os espanhóis conheciam. O cronista da conquista Bernal Díaz del Castillo assim a descreveu: “desde que vimos tantas cidades e vilas povoadas na água, e na terra firme outras grandes populações, e aquela calçada tão bem desenhada, ficamos admirados, e dizíamos que aquilo se parecia às coisas de encantamento que se contam nas grandes histórias. As enormes torres e edifícios saíam diretamente da água, e alguns de nossos soldados se perguntavam se não estavam sonhando”. A paisagem se completava com dois enormes vulcões, que pareciam proteger a cidade. Para andar pelos canais e lagoas, havia canoas e outras embarcações.

Em termos de população, Tenochtitlán tinha mais habitantes, então, que Paris, Londres ou Roma.

Um dos debates que seria importante que se desse nestes 500 anos de sua queda é o urbano. Não se trata de querer voltar ao passado, mas de formular soluções para que a cidade volte a ter algo da harmonia que havia naquele tempo entre o centro urbano e a natureza. Caída Tenochtitlán, o que a tornava única começou logo a ser atacado. Seus templos e praças foram praticamente destruídos. E o que era um belo sistema de canais interconectados ficou por baixo de uma megalópole construída sem nenhum planejamento. E que, até hoje, convive com o lago debaixo de si em muitas partes.

A Cidade do México atual, superpovoada de modo caótico, vive apoiada e em constante risco num território lodoso e, ainda por cima, dado a terremotos. As últimas ideias românticas de reviver pelo menos parte de seu passado aquático foram sepultadas quando se construiu o anel rodoviário que a circunda e que leva, de um lado a outro da cidade, um mar de carros claramente desproporcional às necessidades da população.

Também estará em discussão o que de fato ocorreu naquela data. Foi uma invasão, um ataque ou uma conquista baseada em traições e intrigas diplomáticas da época, das quais participaram indígenas de outras tribos e uma personagem tão mítica como a Malinche? A indígena que ajudou os conquistadores e está tão presente na obra do Nobel Octavio Paz, ainda falta ser totalmente decifrada.

Afinal, ela agiu movida por amor, vingança ou orgulho? Há distintas interpretações.

Todas essas questões estarão no ar e o melhor que se pode esperar desta efeméride é que elas sejam discutidas pela população e pelos acadêmicos, com rigor científico. E que não sirvam para alimentar uma narrativa populista. Seria importante que, em vez de iludir a população com a ideia de que lidera um novo ciclo histórico, López Obrador colocasse os pés no chão e se dedicasse apenas a governar seu país.