A estátua na praça do enforcado

A praça Tiradentes, no centro do Rio, ostenta uma estátua equestre de Pedro 1º, neto de Maria, a rainha portuguesa responsável pelo enforcamento do inconfidente, naquele mesmo local.

A confusão se desenrola, mas não se desfaz, com as datas. Joaquim José foi executado em 21 de abril 1792. A estátua foi colocada em 1862  pelo segundo Pedro imperador, filho do primeiro. A praça, outrora da Constituição, foi batizada com o nome atual em 1890, logo após a proclamação da República.

O mal-estar já estava instalado na inauguração do monumento, conta José Murilo de Carvalho em “A Formação das Almas” (Cia das Letras). Teófilo Otoni, liberal mineiro, chamou-a de “mentira de bronze”. Panfletos com um poema crítico à homenagem foram apreendidos pela polícia: “Hoje o Brasil se ajoelha/E se ajoelha contrito/Ante a massa de granito/Do Primeiro Imperador!”

Radicais republicanos, que elegeram Tiradentes o primeiro mártir da causa, quiseram se vingar depois que o Império tinha se esfacelado. Em 1893 a ideia deles era comemorar o 21 de abril na praça do alferes enforcado, mas sem o olhar inconveniente do primeiro imperador em seu cavalo. Alguém teve uma ideia: vamos erguer um coreto, um biombo em torno da estátua, e desaparecer com ela para os festejos. A prefeitura, sob Barata Ribeiro, inicialmente colaborou com os planos de ocultar a imagem de pedra. Até sentir o calor da reação.

A ousadia foi considerada tamanha que, na véspera da comemoração, até O Paiz, veículo republicano e governista, reclamou. “Velar, de qualquer forma ou sob qualquer pretexto, uma estátua da ordem da de que se trata é ato desassisado e que pelo menos cobre-nos do epíteto de orgulhosos ignorantes”.

A prefeitura decidiu então desfazer a obra de ocultação dos tiradentistas, mas pelo visto os partidários do imperador montado não botaram fé na boa vontade das autoridades e começaram eles mesmos a quebrar o coreto, o que exigiu a intervenção da força policial. O Paiz, que concordou com o mérito dos queixosos, discordou dos meios: “Nunca aconselharemos o povo aos atos de represália e ao desforço de próprias mãos”.

No dia seguinte, as comemorações do dia de Tiradentes tiveram de ser canceladas.