O ditador militar admirado pela esquerda peruana
Em uma entrevista à TV peruana, perguntaram a Pedro Castillo, virtual presidente eleito do Peru, o que achava de Velasco Alvarado. O esquerdista o elogiou com uma frase curta: “Ele atendeu ao Peru em seu conjunto, e buscou incluir aqueles que estão abaixo”.
Pode parecer estranho aos olhos de quem não conhece a história do Peru o fato de um ditador, que chegou ao poder por meio de um golpe militar, ser um ícone da esquerda. Mas Velasco Alvarado (1968-1975) ocupa esse lugar. E não apenas no Peru. Nos anos 1970, era admirado por vários grupos e partidos políticos esquerdistas na América Latina.
Em outubro de 1968, os militares derrubaram o presidente conservador Fernando Belaúnde Terry. No comando do país, Velasco Alvarado fez o oposto do que outros ditadores dos anos 1960/1970 estavam fazendo no Cone Sul. Governou com o intuito de reduzir as diferenças sociais e acabar com a desigualdade.
Suas políticas eram nacionalistas e anti-imperialistas, e ele tinha um discurso parecido ao de Juan Domingo Perón (1895-1974) sobre a soberania nacional.
Velasco Alvarado nacionalizou recursos naturais do país, uma de suas principais fontes de riqueza, e realizou uma reforma agrária e um plano de alfabetização nacional. Até 1980, os analfabetos não podiam votar no país. A reforma educacional realizada por Velasco Alvarado deu a um setor da população a possibilidade de participar da política depois da ditadura. Alvarado também modernizou as relações trabalhistas, principalmente na área rural, onde ainda havia uma informalidade enorme, além de situações de trabalho semi-escravo.
Como toda ditadura, obviamente, a de Velasco Alvarado também perseguiu opositores e a liberdade de expressão. E houve um combate muito duro contra guerrilhas que ganharam força nos anos 1960, inspiradas pela Revolução Cubana de 1959. Esses enfrentamentos acabaram radicalizando esses movimentos no campo, favorecendo, por exemplo, o surgimento do Sendero Luminoso, que aterrorizaria o Peru por mais de uma década.
Na política exterior, Velasco Alvarado se afastou dos EUA e se alinhou à então União Soviética, de quem comprou armas. Também aproximou-se da China e de Cuba. Tornou-se amigo, por exemplo, de Salvador Allende, o presidente socialista do Chile derrubado por um golpe militar em 1973.
A ditadura mudou de comando em 1975, passando para o general Francisco Morales Bermúdez. Aí, sim, passou a ser uma ditadura de direita e alinhada com as demais do Cone Sul, com estreitas relações entre Bermúdez e o general Videla, que comandava na ocasião a ditadura argentina.
Em 1977, quando Velasco Alvarado morreu, seu enterro foi acompanhado por uma multidão. Havia sindicatos de trabalhadores urbanos e milhares de camponeses que vieram da região rural despedir-se do líder.
Anos depois, quando Hugo Chávez assumiu o poder, em 1999, tentou exercer um estilo de liderança inspirado em Velasco Alvarado, a quem havia conhecido pessoalmente em 1974 e de quem se declarava um seguidor. Chávez, ainda um jovem cadete, visitou o país para uma celebração militar de comemoração do aniversário de 150 anos da batalha de Chacabuco.
No livro “Hugo Chávez, Un Hombre, Un Pueblo”, a jornalista chilena Marta Harnecker publicou um depoimento de Chávez sobre Velasco Alvarado: “Aos 21 anos, eu estava no último ano da academia militar e já tinha forte impulso por participar da política. Para mim, foi uma experiência emocionante viver a revolução peruana. Conheci pessoalmente a Juan Velasco Alvarado. Uma noite, ele nos recebeu no Palácio e nos deu um livro sobre suas ideias que guardei durante anos”. Tratava-se de uma explicação sobre seu plano de governo, que ele chamava de Plano Inca.
Castillo não é o primeiro aspirante à presidência a evocar Velasco Alvarado. Também o fez Ollanta Humala, que tem um passado ligado ao esquerdismo nacionalista militar, assim como sua família. Por conta desse perfil considerado radical, acabou perdendo a eleição em 2006. Em 2011, porém, ao prometer fazer um governo de centro, deixou as bandeiras velasquistas de lado. Agora, elas aparecem novamente tomadas por Castillo.