Chegaram a Buenos Aires de barco
A escravidão é um fato da colonização das Américas. Foi predominantemente ameríndia nas regiões mineradoras sob jugo espanhol –e africana nos latifúndios monocultores de cana, algodão, café e tabaco. Houve um tempo, porém, em que a procura por escravizados africanos vinha do altiplano andino e era suprida, à base de contrabando, por mercadores portugueses via porto de Buenos Aires.
No clássico “O Comércio Português no Rio da Prata” (1944), Alice Canabrava documenta essa intensa movimentação entre 1580 e 1640, quando as coroas ibéricas estavam unificadas. A pesquisadora, pioneira da história econômica na USP, mostra como a ação de mercadores, elites locais e burocratas corruptos abriu uma rota clandestina de abastecimento que atingia regiões ricas da mineração, como Potosí.
O império espanhol definira o istmo das Américas como portal exclusivo do comércio ultramarino, mas Buenos Aires, mais próxima das minas do Alto Peru, começou a solapar essa regra entre o fim do século 16 e início do 17, integrando o Brasil e outras possessões portuguesas nessa via de contrabando que fez fortunas. Entravam escravizados africanos, víveres e manufaturas. Saíam ouro e prata.
Apenas um traficante introduziu em Buenos Aires 1.200 escravizados oriundos da África. Barcos negreiros vinham de Angola tendo o Brasil, onde se pagava menos imposto, como destino registrado, mas aportavam de fato no estuário do rio da Prata. Em 1623 o padre Diego de Torres relatava a um colega que entravam 1.500 escravos a cada ano por Buenos Aires. Outro clérigo, Pedro de Espinoza, testemunha que negros trazidos de Angola passavam em grupos de mais de cem por Córdoba, já no interior, a caminho do altiplano.
Comprados a menos de 150 pesos no porto, eram vendidos a mais de 400 conforme avançavam rumo às zonas mineradoras. “No rio da Prata, tal foi a atração exercida pelo comércio de escravos que os governadores solicitavam ao rei seus salários em licenças de escravos; os juízes que funcionavam nos arremates de escravos preferiam receber em escravos negros o terço que lhes cabia”, escreveu Alice.