Com legado divisivo, estátua de Baquedano é retirada de Santiago

Por mais de um ano, a estátua do general Manuel Baquedano (1823-1897), em Santiago, foi pichada, vendada, escalada e pintada de diversas cores. Houve, também, várias tentativas de derrubá-la e até mesmo uma, mais recente, de incendiá-la.

Por fim, o órgão responsável pela preservação do patrimônio no Chile decidiu removê-la, alegando que ela necessitava uma restauração. Tirou-a, então, da praça Itália, também conhecida como praça da Dignidade, o epicentro das manifestações chilenas que tiveram início em 18 de outubro de 2019 e que continuam ocorrendo.

A retirada da estátua na madrugada da última sexta-feira (12) vem causando divisão no Chile. Grupos de direita, liderados pela UDI (União Democrática Independente), afirmam que a retirada é uma “capitulação ante o vandalismo”, como se expressou o partido em um comunicado de repúdio ao governo. Já para muitos dos manifestantes e para a intelectualidade progressista, Baquedano é um símbolo dos avanços do Exército chileno sobre o o povo mapuche, na Patagônia, no século 19. Estes também apontam a estátua de Baquedano como um divisor entre ricos e pobres, uma vez que, ao norte da estátua, estão os bairros de classe alta e média alta de Santiago, enquanto ao sul estão os mais humildes.

Há décadas, a praça é um ponto de encontro comum na capital chilena, usada para manifestações e para celebrações de vitorias esportivas. A presença do general ali, porém, com a fervilhante turbulência política atual, passou a ser incômoda e mesmo uma provocação aos que se sentem indignados com a desigualdade chilena.

O curioso é que, cada ataque para realizar uma pichação ou pendurar coisas em Baquedano, correspondia a uma resposta incrivelmente rápida das autoridades locais para repintá-la de negro e limpá-la. Aconteceu dezenas de vezes. Virou inclusive um desafio. Durante a madrugada ou nas trocas de guarda dos Carabineros, manifestantes tinham tudo preparado para jogar novas tintas em Baquedano. E as autoridades se esforçavam para, cada vez, dar uma resposta mais rápida, repintando a estátua para o dia seguinte. Era uma gincana simbólica que resultava até mesmo divertida de acompanhar. Mas que agora terminou.

Porém, quem foi Baquedano, e por que se transformou em um personagem histórico que divide opiniões?

O general teve atuação nas armas e na política, e chegou a ser presidente interino do país em 1891. Destacou-se atuando na Guerra do Pacífico (1879-1884) e na que é conhecida pelos livros de história locais como “pacificação” da Araucania”. Porém, para muitos historiadores, essa “pacificação” foi como a Campanha do Deserto argentina (1878-1885), que tinha como finalidade, no discurso, levar a “civilização” aos rincões do país. Mas que, na prática, significou a matança de povos indígenas. Não é gratuito, portanto, que tantos manifestantes neste ano e meio de protestos tenham escalado a estátua de Baquedano empunhando a bandeira mapuche. A população de indígenas no Chile hoje é de 12,8% da população, e uma das broncas com relação à Constituição de 1981, vigente até hoje, é o não reconhecimento da população indígena do país. Já o verdadeiro papel ou visão de Baquedano com relação aos povos originários está meio nublada na história. Não é possível afirmar que estivesse diretamente envolvido com as mortes, embora comandasse a campanha que ia por conquista de terras na Araucania, onde estes viviam.

Baquedano por Pedro Subercaseaux Errázuriz (Reprodução)

Agora o debate que se instalou no Chile é se haverá um substituto para a estátua do general, no mesmo lugar. Algo que seria estranho, pois ali há uma estação de metrô e um parque que, ainda, levam seu nome. Ou se o espaço permanecerá vazio até que as coisas se acalmem e Baquedano, montado em seu cavalo Diamante, possam regressar. O mesmo debate também existe com relação a mais de 200 estátuas que foram pintadas ou atacadas em todo o Chile durante as manifestações, e as diversas pixações nos muros de Santiago. Há quem diga que tudo deve ser restaurado, e quem pense que isso seria uma tentativa de apagar a história destes últimos dois anos.

A guerra pelas estátuas vem ocorrendo também na vizinha Argentina. Quando foi presidente, também sob críticas, Cristina Kirchner mandou retirar uma estátua de Cristóvão Colombo dos jardins da Casa Rosada. Colocou ali uma estátua de Juana Azurduy, heroína da independência da Bolívia, presente de Evo Morales. Quando assumiu como seu sucessor, Mauricio Macri tirou Azurduy dali e a levou para outra praça do centro. O lugar, agora, continua vazio. O mesmo debate ocorre em diversas cidades do interior da Argentina que ainda têm estátuas do ex-presidente Roca, um dos responsáveis pela Campanha do Deserto.

Em tempos de turbulência política, como vêm sendo estes últimos na América Latina, o questionamento das estátuas é intenso. Se isso promover uma discussão crítica sobre o passado, será uma experiência válida. Se continuar sendo uma gincana para ver quem as derruba ou as restauram primeiro, parece que se está gastando tempo e dinheiro público à toa.