As vantagens das múltiplas hipóteses na história

A escolha das hipóteses é um passo decisivo em qualquer pesquisa. Hipótese pode ser definida como uma ideia proposta para explicar um certo fenômeno (isto é, um fato ou evento), podendo ser ou não corroborada pelas evidências. Longe de ser uma decisão trivial, a escolha de uma hipótese tem implicações que podem distorcer os resultados da pesquisa de forma irreparável.

Os problemas relacionados à escolha de hipóteses são ainda maiores no caso de uma disciplina como a história econômica, que lida com ações individuais e coletivas, instituições e estruturas, que são de natureza distinta dos fenômenos físicos e naturais. Um dos maiores riscos é que a escolha prévia de uma ou outra hipótese preferencial acabe por determinar os resultados do que está sendo investigado.

Às vezes, as hipóteses são baseadas diretamente em uma teoria geral que fornece os elementos (fatores, variáveis) e as relações causais que vão delimitar os resultados da análise. Nesse caso, outros elementos e relações são excluídos do estudo e a explicação proposta, quando a pesquisa é empírica, resume-se a testar a significância da hipótese escolhida à luz dos dados coletados. Embora seja um exercício válido dentro da teoria adotada, o problema é que nada garante que as variáveis e relações selecionadas sejam realmente as mais relevantes para explicar um determinado problema, de maneira que a explicação (hipótese) oferecida pode estar comprometida na sua origem.

Em tese, explicações concorrentes, baseadas em distintas teorias, deveriam ser confrontadas e corroboradas ou não pelas evidências. Mas como as próprias evidências utilizadas dependem do que é considerado relevante pelas teorias, é comum que explicações diferentes convivam em mundos paralelos, sem comunicação entre seus defensores. O maior destaque de uma teoria em relação a outras, nesse caso, pode depender em grande medida de razões institucionais, como por exemplo a influência de centros de pesquisa e universidades na formação de estudantes que irão reproduzir teorias, métodos e explicações mais ou menos em voga.

Quando a pesquisa mais se assemelha à montagem de um quebra-cabeças (faltando a maioria das peças), como no estudo da evolução das espécies ou da história, o papel das ideias preconcebidas (ou teorias) na formulação das hipóteses tende a ser ainda maior, podendo até obscurecer o entendimento da realidade. Não é incomum que as convicções prévias sejam tão grandes que levam a uma escolha seletiva de evidências, transformando, na prática, o que deveria ser uma pesquisa em uma mera busca de confirmação das hipóteses. Em tais casos, as hipóteses tornam-se impossíveis de serem rejeitadas, pois elas já foram previamente definidas como verdadeiras.

É nessa situação que um método alternativo na seleção de hipóteses pode ser mais adequado para alguém que estude algum tema histórico. A estratégia consiste na escolha deliberada de múltiplas hipóteses que deem explicações possíveis, distintas e concorrentes para um mesmo fenômeno. Esse é o tema de um artigo de 2016 na Nature, com o título “Research protocols: A forest of hypotheses”. Na verdade, o método faz parte de práticas antigas de pesquisa em diferentes áreas, mas que continuam pouco conhecidas ou aceitas. Apesar do artigo da Nature tratar da pesquisa nas ciências naturais, as questões também são comuns na história e em outras disciplinas das ciências humanas.

Em vez de apegar-se a uma explicação única, que corre o risco de tornar-se uma busca disfarçada de confirmação, o uso de múltiplas hipóteses requer uma atitude diferente: admite-se a presença de possíveis vieses e tenta-se controlá-los considerando explicações alternativas do problema estudado. Comparando essas hipóteses distintas com as evidências, pode-se ter um guia mais fiel para julgar se as explicações são plausíveis e consistentes. Ao mesmo tempo, a pessoa vê-se forçada a questionar suas convicções prévias e avaliar o problema de forma mais distanciada. Essa atitude pode ajudar, inclusive, a encontrar novas evidências que são excluídas quando se escolhe antecipadamente uma causa única.

Seria ingênuo imaginar que simplesmente formular múltiplas hipóteses seja capaz de eliminar, por si só, os problemas típicos de uma pesquisa notados antes. Por exemplo, a estratégia requer um grau de distanciamento em relação a todas as hipóteses escolhidas que pode ser difícil de ser obtido na prática. Não bastaria adicionar explicações ao lado da preferida para depois descartá-las ou desmoralizá-las.

Da mesma forma, nada garante que as múltiplas hipóteses selecionadas incluam sempre as que sejam, de fato, as mais relevantes para explicar um certo fenômeno. Pensar o contrário seria imaginar que alguém possa ser onisciente. Mas, pelo menos, o hábito de reconhecer as possíveis distorções do julgamento individual já é um grande passo. Considerar hipóteses concorrentes e tentar contrastá-las de forma equilibrada com as evidências são um ponto de partida mais honesto e produtivo para tentar entender a realidade, inclusive quando se busca compreender melhor o passado.