O dia em que o mundo não acabou

Quando ao virar da meia noite do dia primeiro de janeiro de 1900 o céu permaneceu imóvel, o alívio deve ter sido palpável entre aqueles que acreditavam que a virada do século traria o fim do mundo. A tragédia, segundo o cronista Jorge Americano em “São Paulo naquele tempo” (Edição Saraiva), ocorreria em três tempos. Primeiramente, tudo escureceria, incluindo as estrelas. Em um segundo momento, esfriaria bruscamente. Finalmente, uma explosão grandiosa envolveria o planeta. Assim, relata, ouviu de quem trabalhava em sua casa.

Chegando nos primeiros segundos do ano de 1900, o fim do mundo narrado por Americano estava, na bem da verdade, quase dois meses atrasado. Amplamente divulgado, o fim “original”, profetizado pelo astrônomo alemão Rudolf Falb, viria por cometa no dia 13 de novembro. Não veio. Para aqueles negativamente afetados pelo alarde, um anúncio publicado no carioca Gazeta de Notícias em 24 de novembro recomendava o “Matto Especial de Santha Catarina”, útil em acalmar os nervos à flor da pele –monetizar o desespero alheio não é novidade do século 21.

Na ausência do bug do milênio, os fins imaginados em 1899 trocavam a tecnologia, então inexistente, por fenômenos naturais aparentemente plausíveis: explosões, cometas, um possível dilúvio, segundo relato do periódico Estado do Espírito Santo. Se as previsões falharam em apontar a cena derradeira da humanidade, foram precisas em ilustrar um imaginário coletivo intangível. Como bem descreveu uma crônica publicada no A Estação: “Tão calamitosos correm os tempos que realmente parece estarmos em vésperas de um medonho cataclismo”. Na falta de palavras, cometas assassinos fazem todo sentido.

Mais do que um evento único e decisivo, o fim do mundo parece as vezes ser ocorrência diária e recorrente. Tomando a cada dia nova forma. Nos primeiros instantes de 2021, ele parece ter chegado não pelo fogo ou pela água, mas pela falta de ar.