Afinal, quais são as ‘repúblicas das bananas’?
Após a invasão do Capitólio norte-americano por apoiadores de Donald Trump, no último dia 6 de janeiro, tem sido comum o comentário: “os EUA agora estão parecendo uma república das bananas”. Ele surgiu na voz de analistas, políticos e até mesmo em respostas da própria gestão Trump.
O ex-presidente republicano George W. Bush afirmou que “este é o modo como os resultados de uma eleição são disputados numa ‘república bananeira’, não em nossa república democrática”.
O Secretário de Estado, Mike Pompeo, saiu a rebater a crítica, dando sua própria visão do que significa o termo: “Jornalistas e políticos estão comparando o que ocorreu em Washington com o que ocorre numa ‘república das bananas’. Essa comparação mostra um desentendimento entre o que é uma ‘república das bananas’ e o que é a democracia nos EUA. Numa ‘república das bananas’, a violência da multidão determina o exercício do poder”.
Pompeo demonstrou, portanto, que nem ele mesmo sabe o que significa uma “república das bananas”. E que o termo, hoje, se encontra banalizado. É usado por políticos e analistas para referir-se a países instáveis politicamente, em que golpes de Estado, rebeliões populares, assassinatos de presidentes e ditaduras são comuns. Em geral, designam países da América Latina.
A história do termo revela duas coisas: primeiro, se os países chamados de “repúblicas das bananas” são como a descrição acima, é porque os EUA tiveram muito a ver com a instalação dessa instabilidade, e portanto seus políticos não deveriam usar a expressão como algo alheio, que ocorre longe deles e com o qual não têm nada que ver. Em segundo lugar, não é a primeira vez que os EUA também vivem momentos parecidos aos que ocorrem naquilo que chamam “repúblicas das bananas”, como tentativas de assassinatos de presidentes, suspeita de fraudes em eleições, mentalidade caudilhesca de determinados líderes, entre outras coisas.
Mas, afinal, o que é uma “república das bananas”?
O termo foi cunhado por um escritor norte-americano, veja só, William Sydney Porter (que assinava com o pseudônimo de O.Henry), no conto “The Admiral”, que integra o livro “Cabbages And Kings” (1904). Ali, o autor descreve um país ficcional, cujo nome é República da Anchuria.
O.Henry (1862-1910) contava a história de “uma pequena república bananeira”, onde camponeses eram explorados por uma classe dirigente e o governo era submisso e corrompido por empresas multinacionais instaladas no país.
Anchuria era um retrato ficcionalizado de Honduras, onde O.Henry havia vivido um tempo, refugiando-se após ser acusado de haver desviado dinheiro de um banco em Austin.
Honduras, na época em que O.Henry viveu ali, havia passado por cinco golpes de estado em sua então curta história como país independente da Espanha, em 1821. Outro dos primeiros países a serem chamados de “república das bananas” foi El Salvador, que teve 13 golpes de Estado desde sua independência, em 1840.
Com o tempo, o termo “república das bananas” se ampliou para referir-se a vários países da América Latina e do Caribe. Na região, entre o final do século 19 e o princípio do 20, mais de 20 empresas multinacionais, a maioria norte-americana, se instalaram para cultivar e exportar frutas tropicais. Usavam a mão-de-obra local, muito barata, a quem negavam direitos trabalhistas básicos, corrompiam autoridades locais e nacionais, por meio de favores e dinheiro.
A mais famosa delas foi a United Fruit Company, que acabou vinculando-se a massacres e a golpes de Estado, uma vez que utilizava o apoio dos Exércitos locais para defender seus interesses na região. A fruta mais disputada, no caso, era a banana, cultivada principalmente na América Central e na Colômbia. Portanto, o sistema corrupto e violento das companhias norte-americanas foi um legado dos EUA a esses países da América Latina, e não algo que já era típico destes, que recém saíam de outro sistema de exploração, a colonização pelas metrópoles europeias.
A partir de então, o termo acabou sendo usado para referir-se a países monoprodutores, corruptos, com instituições e governos fracos, e nos quais empresas estrangeiras influenciam nas decisões nacionais.
Companhias como a United Fruit Company trouxeram ares de modernidade a esses países, construindo ferrovias, estradas, e trazendo melhorias aos lugares onde se instalavam. Porém, também exploraram a mão-de-obra barata e corromperam governos.
O mais trágico evento político de que a United Fruit Company participou foi o golpe de Estado na Guatemala, em 1954, retratado recentemente em romance do peruano Mario Vargas Llosa. Ali, a empresa ajudou a CIA na derrubada do então presidente Jacobo Arbenz (1913-1971), que pretendia realizar uma reforma agrária que afetaria os interesses da companhia no país.
Outro episódio sangrento no passado da United Fruit Company foi o massacre de milhares de trabalhadores na Colômbia, em 1928. Na ocasião, o Exército colombiano interveio numa greve de trabalhadores da empresa que pediam melhores salários na região do rio Magdalena. O desenlace foi o assassinato de mais de 5 mil pessoas, embora segundo números oficiais tenham sido “apenas” 100.
Historiadores e escritores retrataram a passagem das empresas norte-americanas na América Latina. Entre as obras literárias de mais destaque está “Cem Anos de Solidão”, que trata diretamente desse massacre.
Ali, o prêmio Nobel Gabriel García Márquez (1927-2014) conta a chegada de um norte-americano em Macondo, “mister Herbert”, que fica encantado com o sabor e a aparência de banana, fruta que via pela primeira vez e observava “com a incrédula atenção de um comprador de diamantes”.
A visita de “mister Herbert” foi seguida da chegada de agrônomos, topógrafos e advogados, que construíram seu próprio bairro em Macondo e passaram a viver e a cultivar bananas na região, usando a mão-de-obra dos habitantes da cidade. Até que os trabalhadores, que morriam por doenças, exaustão e fome, decidiram mobilizar-se, e a repressão foi imediata.
Outros dois prêmios Nobel de literatura abordaram o trauma que foi a passagem das multinacionais bananeiras norte-americanas na América Latina. Um deles foi o guatemalteco Miguel Ángel Asturias (1899-1974), que, em “El Papa Verde” (1954), descreve um poder imperial que se impõe sobre a selva e os homens, manipula políticos e derruba governos, tirando de sua frente tudo o que podia atrapalhar o desenvolvimento de seu projeto bananeiro. Nesta ficção, a United Fruit Company tem o nome fictício de Tropical Bananeira.
Já o chileno Pablo Neruda (1904-1973) escreveu um poema, “La United Fruit Co.”, que em suas estrofes diz: “Quando soou a trombeta,/ estava tudo preparado na terra,/ e Jeová repartiu o mundo/ pela Coca-Cola Inc., Anaconda,/ Ford Motor, e outras entidades:/ A Companhia Fruteira Inc./ reservou o mais suculento,/ a costa central da minha terra,/ a doce cintura da América/ Rebatizou as terras/ como “Repúblicas Bananeiras”/ e sobre os mortos adormecidos,/sobre os heróis inquietos/ que conquistaram a grandeza,/ a liberdade e as bandeiras,/ estabeleceu a ópera bufa”.
Em vez de perpetuar esse termo preconceituoso sobre a América Latina, os EUA e seus políticos deveriam fazer uma autocrítica. Foi dos EUA que saíram as companhias bananeiras a explorar terras e mão-de-obra na América Latina. Os países recém-saídos do processo de independência ainda não tinham instituições fortes, quando se viram diante de um poder que as corrompia no incipiente nascimento de suas democracias. E foi por obra de um escritor norte-americano foragido da polícia que o termo “república das bananas” passou a existir. Ainda, também, é por conta de um olhar pejorativo sobre a América Latina que a expressão persiste, como se, nos EUA, a democracia fosse perfeita. O episódio no Capitólio não é um caso isolado a mostrar que os EUA, segundo essa régua, também sempre foram muito “bananeiros”.