Capital humano na prática e na teoria, ontem e hoje
Uma opinião muitas vezes repetida na imprensa e em discussões acadêmicas é que a importância da educação para o desenvolvimento econômico das nações só foi reconhecida recentemente, a partir dos primeiros trabalhos sobre a teoria do capital humano no final dos anos 1950 e início dos 1960. Essa é uma percepção, entretanto, que não combina com o que conhecemos da história das políticas educacionais desde o século 19.
De fato, os trabalhos de Jacob Mincer, “Investment in Human Capital and Personal Income Distribution” (1958), Theodore Schultz, “Investment in Human Capital” (1961) e Gary Becker “Investment in Human Capital: A Theoretical Analysis” (1962), entre outros, inseriram de forma original a educação –ao lado de saúde e habilidades do trabalho (skills) em especial– como parte do conceito de capital humano, produzindo uma grande mudança no pensamento econômico sobre esses temas.
Capital humano seria assim, em uma definição simples, a combinação de educação, condições físicas (nutrição, saúde) e habilidades acumuladas pela força de trabalho. Investimentos privados e públicos nessas dimensões da vida das pessoas elevariam a qualidade do esforço humano e contribuiriam para o aumento da produtividade individual e da sociedade como um todo.
A originalidade desse conceito pode ser de certo modo medida pela resistência que enfrentou desde os anos 1960 e que persiste, embora em menor grau, até hoje. De alguma maneira, foi difícil conciliar a ideia de que algo intangível, como educação e saúde, pudesse ser acumulado por indivíduos e em uma coletividade a ponto de ser relevante para a forma pela qual uma sociedade se desenvolve, institucional e economicamente. Para muitos, a noção de capital como fator físico, palpável (máquina, instalações, dinheiro), ou como relação social (na tradição de Marx), pareceu incompatível com o novo papel que se atribuía a habilidades, educação e saúde.
De qualquer maneira, o que é possível dizer é que o motivo da resistência ao papel da educação na disciplina da economia não se deveu à inexistência de autores que trataram do tema em suas teorias. Adam Smith já havia observado em uma descrição famosa que “A aquisição de […] habilidades […] durante sua educação, estudo, ou aprendizagem, sempre custa uma despesa real, que é um capital fixo e realizado […] em sua pessoa. Essas habilidades [são] parte de sua fortuna [e da] sociedade a que pertence.” (1776) Mesmo assim, ideias econômicas sobre educação continuaram correndo à margem até o final dos anos 1950.
O ponto interessante é que, apesar das resistências e controvérsias no campo da teoria, a tese de que a educação era importante para o desenvolvimento de uma nação foi assimilada em vários países, pelo menos desde o século 19. E essa compreensão traduziu-se em políticas públicas locais e nacionais.
Na verdade, bem antes dessa época, alguns países já haviam criado um sistema de escolas paroquiais com ensino de leitura e escrita para boa parte de sua população, embora seja possível que a motivação tenha sido em grande parte religiosa, um produto da Reforma Protestante do século 16. Esse foi o caso da Prússia, Suíça, Holanda, Escócia e das nações nórdicas, assim como as treze colônias do norte das Américas que formariam os Estados Unidos.
A partir do início do século 19, vários governos nacionais e subnacionais, tendo populações com elevado nível de analfabetismo, elegeram a educação primária pública de massa como uma prioridade de suas políticas nacionais e locais. Os motivos foram variados, como o desejo de difundir sentimento de nacionalidade ou a convicção iluminista de independência do indivíduo como base da organização política e social.
Mas também foi importante o crescente entendimento de que a educação de todos os cidadãos era vital para a prosperidade econômica desses países. A França, por exemplo, percebendo seu relativo atraso educacional, encarregou-se de estudar as instituições de ensino popular dos Estados germânicos, inspirando-se neles para a realização de reformas educacionais na década de 1830 (ver, por exemplo, Ellwood Cubberley, 1920).
Robert Allen, em Global Economic History (2011), resumiu a questão na sua lista das quatro políticas implementadas pela Europa Ocidental e Estados Unidos em seus esforços para alcançar a Grã-Bretanha após a Revolução Industrial. Allen destaca uma diretriz comum em todos esses países voltada ao “estabelecimento da educação em massa para qualificar a força de trabalho” (ao lado de políticas para um mercado nacional unificado, uma tarifa externa protecionista e bancos para estabilizar a moeda e financiar o desenvolvimento industrial).
A teoria do capital humano foi um marco ao trazer educação, habilidades e saúde para o centro da análise econômica. A própria resistência à noção de que esses elementos podem ser relevantes para explicar desenvolvimento econômico é em si um fato de interesse para os especialistas em pensamento econômico.
Mais de cem anos antes, porém, já se reconhecia a relação entre educação popular, direitos civis, bem-estar social e a prosperidade econômica das nações. Essa percepção traduziu-se em políticas públicas direcionadas à educação universal e igualitária, adotadas por diferentes níveis de governos e sob distintos regimes políticos. A questão que parece mais significativa é que alguns países foram bem-sucedidos nesse esforço educacional no próprio século 19, enquanto outros falharam e continuam fracassando em tal objetivo.