Projeto oferece mais de 40 mil documentos digitalizados do golpe de 1964 à redemocratização

Por Andre Pagliarini

É certo, como escreveu Renato Perim Colistete na Folha no ultimo dia 26, que a crescente disponibilidade de ferramentas de pesquisa online facilita e democratiza a pesquisa histórica. Colistete menciona vários projetos de destaque no âmbito nacional como a Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, uma iniciativa pouco apreciada mas que se compara favoravelmente com análogos em qualquer outro país.

No âmbito internacional, o projeto Opening the Archives da Brown University é outro exemplo do potencial enriquecedor de projetos digitais.

Idealizada pelo brasilianista James N. Green, o trabalho do Opening the Archives começou em 2013 em parceria com pesquisadores da Universidade Estadual de Maringá. A proposta é simples: digitalizar documentos sobre Brasil em acervos estadunidenses e oferecê-los de graça para pesquisadores mundo afora.

Como aluno de pós-graduação do Green na época, eu estava na sala de reunião do Arquivo Nacional II em College Park, Maryland, quando tivemos o primeiro encontro com a equipe para propor o projeto. Quando chegamos, dois homens se sentavam à mesa. Vários outros chegariam até que não houvesse mais espaço, nos levando a imaginar que a ideia do Green seria recebida ou muito bem ou muito mal mesmo.

Acontece que os administradores do acervo, incluindo David Langbart, um arquivista sênior bastante respeitado, esperavam por iniciativas justamente como essa. O processo de digitalização é conveniente não só para pesquisadores—que podem, por exemplo, buscar temas por palavras-chave e acessar documentos de qualquer lugar—mas para os acervos também. É verdade que eles podem ter custos iniciais para lançar ou apoiar projetos que visam replicar na arena virtual materiais físicos históricos, um obstáculo concreto em tempos de recursos escassos.

Porém, no longo prazo, como a equipe do Arquivo Nacional dos Estados Unidos nos explicou, recursos podem ser preservados com a digitalização de documentos que vão se desgastando ao longo dos anos nas mãos de pesquisadores. Idealmente, os documentos digitalizados podem depois ser guardados de forma mais ou menos definitivas.

Vale ressaltar que o original continua sendo acessível se o pesquisador preferir, mas a aposta, agora comprovada pela experiência, é que a grande maioria dos estudiosos optam pela versão digitalizada dos materiais. Isso permite uma redução no desgaste dos documentos originais, pois assim são consultados e manuseados com menor frequência.

Com uma equipe avançada de graduandos de Brown e Maringá, começamos por digitalizar documentos do Departamento de Estado do governo John F. Kennedy, que no início dos anos 1960 lançou a Aliança para o Progresso e buscou evitar que revoluções de esquerda se espalhassem pela América do Sul após o sucesso de Fidel Castro e seus camaradas.

Desde então, o projeto passou a incluir todas as comunicações disponíveis dos consulados e da embaixada americana no Brasil até o governo de Ronald Reagan (1981-89). Depois, mandamos equipes para as bibliotecas presidenciais, coletando e digitalizando documentos de ministros e conselheiros de vários governos.

Apesar de haver ainda muito material sigiloso, Opening the Archives oferece mais de 40 mil documentos de interesse para estudiosos do golpe de 1964, o período da ditadura e a redemocratização.

Seria, porém, um erro imaginar que a digitalização de documentos históricos é uma solução fácil para os problemas de acesso e manutenção que historiadores e arquivistas conhecem bem. A habilidade de buscar por termos-chave é uma das grandes vantagens da pesquisa digital, mas requer um processo de programação penoso. A infraestrutura digital também precisa de sustentação tecnológica permanente para que os frutos de projetos de digitalização sejam protegidos.

No entanto, uma vez que a digitalização de arquivos históricos é também uma forma de preservar a memória social, este é um esforço com um valor incalculável.

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Andre Pagliarini é professor de história da América Latina moderna em Dartmouth College, em Hanover (New Hampshire, EUA), e está atualmente preparando um livro sobre o nacionalismo brasileiro do século 20.