História também é para se ouvir
Para os que pensam que a história é um campo de conhecimento que só pode ser penetrado por meio de livros, de longas sessões de internação em bibliotecas ou em arquivos de documentos, aqui vai uma surpresa. Hoje há produção de conteúdo para formatos diferentes, O que apresento aqui é o exemplo de um deles: o podcast.
Atravessamos uma pandemia que parece, aos que vivemos estes tempos, a mais devastadora de todas. Porém, vasculhar a história nos ilumina, como sempre, no presente. Por exemplo, no século 16, os conquistadores europeus trouxeram em suas embarcações, além da fé católica, do idioma e de sua cultura, nada menos que um punhado de doenças mortais: a varíola, o sarampo, a difteria, a malária e muitas outras enfermidades que, junto com o poderio de fogo, facilitaram muito a matança e a conquista. Além de ajudar a rotular o indígena como um sujeito fraco e inferior. Mas isso não era verdade. Aqueles povos originários, como nós, agora, com o coronavírus, não tinham os anticorpos necessários para sobreviver a essas doenças mortais. E essa foi uma das principais razões da alta mortalidade entre eles.
Quer saber um pouco mais sobre isso? Clique aqui.
Também se costuma repetir, na atualidade, um monte de estereótipos sobre o Paraguai, geralmente pejorativos, referindo-se a tudo o que vem desse país como algo falsificado ou de qualidade inferior. De onde nasceu isso? Estaria relacionado à terrível e sangrenta derrota do país na Guerra do Paraguai, do qual o Brasil participou e cujo final completa agora 150 anos? E por que a Guerra do Paraguai teve tantas interpretações diferentes ao longo do tempo? Por que a historiografia ofereceu tantas versões sobre o ocorrido? Um bom debate sobre isso está aqui.
E quando, no último dia 25 de maio, o cidadão negro norte-americano George Floyd foi morto por uma ação da polícia, você achou que era só mais um caso de violência policial? Pois saiba que, por detrás disso, havia toda uma história conflituosa e difícil da participação dos negros na política e das decisões da sociedade norte-americana desde o século 19. Um pouco mais sobre esse denso e delicado debate está aqui.
Estes são apenas alguns dos episódios de “Hora Americana”, um podcast disponível no Spotify, e comandado por quatro jovens acadêmicos brasileiros, dedicados a trazer a história para discutir temas do presente. O programa é quinzenal e seu objetivo é promover o debate de temas que são candentes para História das Américas, dentro e fora do ambiente universitário, embora a maioria do público seja mais vinculada a este último.
O formato é quinzenal e feito com entrevistas. A cada edição, um especialista sobre o tema escolhido é sabatinado pelos quatro rapazes. Uma da premissa de todos, que trabalham com assuntos de diferentes períodos da história da América, é a necessidade de fugir do eurocentrismo das narrativas tradicionais.
Os quatro realizadores são professores universitários: Caio Pedrosa da Silva, da (UFVJM), que é doutor, pela Unicamp, com a tese: “Mártires de Cristo Rey – Revolução e Religião no México”. Luís Kalil (UFRRJ), também doutor pela Unicamp e autor de “Filhos de Adão – As Teorias Sobre a Origem dos Indígenas”. Rodolpho Gauthier Cardoso dos Santos, doutor pela USP e autor de “A Invenção dos Discos Voadores – Guerra Fria, Imprensa e Ciência no Brasil”. E Valdir Donizete dos Santos Júnior, doutor pela USP e autor de “A Trama das Ideias: Intelectuais, Ensaios e Construção de identidades na América Latina”.
Em uma conversa com o blog, dois de seus integrantes contaram um pouco de suas motivações e incentivos. Ambos lembraram, como, até pouco tempo atrás, era muito difícil incluir assuntos de história das Américas nos currículos escolares e no debate acadêmico, especialmente os relacionados à América Latina. Mas que isso, aos poucos, vem mudando.
O contexto das redemocratizações no Cone Sul, por exemplo, segundo os acadêmicos, teriam produzido um interesse pelos países vizinhos maior do que o que existia antes. “A redemocratização não foi algo que ocorreu só no Brasil. Houve uma geração de historiadores que é anterior à nossa e que se conectou com a de países vizinhos nessa época”, explica Valdir Donizete dos Santos Júnior. “Só que os tempos da academia são diferentes dos tempos do jornalismo. As pesquisas e teses que começaram a surgir aí foram lançadas bem depois. Esse grupo de pioneiros acabou formando uma nova geração, a nossa geração, que está agora atuando em tantas áreas e com tantos objetos de estudo diferentes, mas todos dentro da História das Américas”, completa.
Caio Pedrosa da Silva concorda, e também crê que questões latentes do presente têm estimulado uma busca de respostas num passado ainda mais distante, nos tempos coloniais. “São eles os temas do racismo, dos indígenas, por exemplo, que estão super-presentes na sociedade hoje, e a raiz está lá atrás”.
Os podcasts são para consumo amplo, mas não perde o tom e o rigor acadêmico, nem cede à panfletagem política. O Hora Americana também produz subprodutos nas redes, com postagens sobre dicas de livros, filmes e demais obras que são citadas pelos especialistas.
Aqui, seguem as redes do programa, que tem conteúdo extra sobre cada episódio: